Nota do editor: O texto abaixo, de autoria de Elias Penteado Leopoldo Guerra, foi publicado no jornal O Estado de São Paulo há cerca de 25 anos. O fundamental é que as idéias do texto permanecem válidas e devem ser amplamente divulgadas.
A necessidade de planejar o futuro próximo se impõe a cada dia com maior intensidade. Indiscutivelmente, as dimensões, a velocidade e a natureza das mudanças que estão ocorrendo são de tal amplitude, que condicionam até mesmo a própria sobrevivência à capacidade de adaptação à nova realidade.
Nas organizações, no que se refere aos recursos humanos – que são os principais agentes das mudanças – tem havido muita preocupação em conhecê-los melhor, em identificar os seus talentos, o seu potencial e habilidades. O sucesso da adaptação à mudança dependerá deles. Muito se tem discutido, tentado e feito sobre a avaliação de pessoas e, em especial, de seu desempenho e potencial. As maneiras como se tem procedido variam enormemente, desde as formas mais empíricas, subjetivas e informais (que são a grande maioria), até instrumentos muito bem elaborados, que procuram reduzir o fator de subjetividade, sistematizando as informações para que possam ser mais objetivamente analisadas e correlacionadas, permitindo uma visão mais global da pessoa.
Inúmeras pesquisas têm sido conduzidas sobre este assunto. As mais variadas técnicas são utilizadas, tentando associar o sucesso na performance no trabalho com características da pessoa humana. O exame dos resultados dessas pesquisas sugere que 70% dos atributos vinculados ao sucesso no trabalho são dimensões ou aspectos da personalidade, sobrepondo-se àqueles relacionados com habilidades, experiência ou conhecimentos.
Estas conclusões, no campo da psicologia ocupacional, têm estimulado estudos para o desenvolvimento de instrumentos que auxiliem e facilitem a identificação desses traços da personalidade, e assim permitam um prognóstico da eficácia no trabalho, possibilitando, desta forma, que surjam medidas que possam ser tomadas para promover o desenvolvimento das pessoas, para que, ao final, os objetivos e as metas organizacionais possam ser mais adequadamente alcançadas.
É impossível dissociar o desenvolvimento organizacional do desenvolvimento das pessoas que compõem a organização. Da mesma forma não se pode cogitar sobre o desenvolvimento de pessoas sem ter presente a AUTO-PERCEPÇÃO, sem a qual o mesmo não poderá existir. Inúmeros instrumentos e recursos têm sido elaborados e utilizados para o desenvolvimento de pessoas, sem que essa imprescindível premissa tenha sido levada em consideração. Assim não somente pelo instrumento em si mas pelo seu uso adequado e, principalmente pela devolução ou “feedback”, é que a pessoa avaliada poderá perceber-se e procurar ajustar-se às demandas da realidade, sem o que seria impossível o desenvolvimento.
Sob o aspecto ético–profissional, questiona-se, com muita veemência, a legitimidade de se invadir a privacidade da personalidade das pessoas, utilizando-se os resultados da análise no interesse da organização. Certamente é inconcebível que se proceda a investigação da personalidade, por qualquer meio, de uma pessoa, sem que ela seja esclarecida do que se trata e que tenha dado o seu consentimento. Além disto, é fundamental que a pessoa seja informada, de maneira compatível com sua capacidade de entendimento e com a sua situação pessoal, sobre os resultados da avaliação, para que possa utilizá-los em benefício do seu desenvolvimento.
A identificação de traços da personalidade, comumente designados como fatores, somente é possível através do desmembramento da personalidade nos seus vários aspectos observáveis isoladamente. Este procedimento, entretanto, tem sofrido fortes críticas dos profissionais da área do comportamento humano, sob o argumento de que é impossível conhecer-se algo que só tem sentido atuando como um conjunto. De fato, a pessoa humana é um conjunto íntegro, no qual seus vários componentes interagem e se interrelacionam, produzindo, desta forma, o comportamento da pessoa. Portanto, qualquer tentativa de estudo da motivação desse comportamento só terá sentido se for mantida a visão global, holística, da pessoa.
É preciso se ter certeza da qualidade ético–científica do instrumento que se está utilizando, ou seja, deve-se confirmar sua fidedignidade e sua validade para o fim a que se destina, é necessário também assegurar-se que as pessoas que se utilizam desses instrumentos estejam, ética e profissionalmente, adequadamente preparadas.
As várias técnicas psicológicas de avaliação da pessoa – quer sob aspectos de suas habilidades, dos seus conhecimentos, interesses ou mesmo dos traços de sua personalidade – são utilizadas primordialmente para seleção, com o propósito de se alocar, da forma mais adequada possível, a pessoa à função a que melhor se ajusta. O seu objetivo final, entretanto, embora nem sempre explícito, deveria ser o do desenvolvimento da pessoa. Esta argumentação se fundamenta no fato de que o desenvolvimento da organização é uma questão de sobrevivência e isto não poderá ocorrer sem que haja o desenvolvimento das pessoas que compõem a organização.
É imprescindível, pois, que se forneça ao avaliado adequado “feedback” ou “devolução”, sobre seus pontos fortes e, principalmente, sobre seus aspectos a serem desenvolvidos, para que, junto com seu avaliador, seja elaborado um plano futuro para a sua adaptação à organização, no caso de processo de seleção, e para seu posterior desenvolvimento. Sem que isto ocorra, todo o processo não só perde seu sentido ético como funcional, pois certamente não produzirá os resultados esperados e planejados, como poderá ser fonte de risco de graves problemas para ambas as partes.
Pode-se, pois, concluir que o que realmente dá sentido ao processo de avaliação da pessoa, para que seja efetivamente um elemento do desenvolvimento do pessoal e da organização, é que haja clara percepção, pelo avaliado, dos resultados da avaliação e que, justamente com o seu superior, seja elaborado plano de ação que conduza efetivamente ao desenvolvimento. Este depende da auto–percepção e auto–determinação do avaliado, pois desenvolvimento, na realidade, é auto–desenvolvimento; entretanto é necessário que a pessoa seja auxiliada pelo seu superior, pois essa responsabilidade deve ser compartilhada por ambos.